segunda-feira, agosto 16, 2010

Como Eram as Coisas Antigamente - Parte 2

Sim, sim, sim! Mais rápido do que eu esperava, devo dizer... é, enquanto o Departamento de Geologia decide se tem ou não tem grana para me mandar pra Itambacuri, eu vou atualizando o blog... enquanto eles decidem sobre grana por lá, eu falo de grana por aqui.

O tópico da atualização anterior era a progressão de personagens, e, dessa vez, falarei sobre as riquezas (tesouros apenas, nada de itens mágicos por enquanto) que os personagens poderiam encontrar ao longo de suas aventuras, suas facetas e implicações.

Nunca é demais dizer, esses textos baseiam-se no sistema de regras de AD&D, nos tempos idos da TSR, quando a WotC era "só o Magic" e a Hasbro nem sabia que nenhuma delas existia.


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Fazendo o Bem, e Sendo Pago por Isso!

Sabe quando a primeira aventura do personagem começa numa taverna, e entra um velhinho/mensageiro/arauto/sábio/fiscal de imposto de renda e conclama que uma pessoa precisa de aventureiros e blablabla e, quando você chega lá para ver do que é que se trata o sujeito diz que e então te oferece 100 moedas de ouro pelo serviço? Pois é, salvo engano de minha parte, esse "valor padrão" foi estabelecido em AD&D, e então virou padrão mesmo, em todos os mundos e realidades conhecidas (estou falando de cenários de campanha, claro). Foi até mesmo transplantado para edições futuras e tal.

O interessante disso é que, após saírem da masmorra, os personagens contavam com uma quantidade de tesouros (e, possivelmente, alguns itens mágicos) que tornava esse valor um tanto quanto decorativo. Na primeira aventura de FIRST QUEST, por exemplo: a cada personagem  é oferecido o valor padrão de 100 po e, dentro da Tumba de Demara, há muito mais riqueza que isso, o que torna a recompensa meio que... decorativa.

Chega-se à conclusão de que a recompensa oferecida aos personagens para que embarquem em uma aventura não é a maior recompensa possível de se obter naquela aventura, e nem deveria ser: qual seria a graça de receber 10.000 moedas de ouro para resgatar a princesa do dragão, apenas para encontrar um tesouro de dragão menor que esse valor? Percebe-se então que a grana inicial é apenas um atrativo, nada muito singelo mas nada tão pomposo. Ao menos, não nos primeiros níveis.


"Caminhando Pela Estrada, Eu Achei uma Espada+1..."

 Nos primeiros níveis, tudo o que os personagens desejam (e necessitam) pode ser estritamente obtido com dinheiro suficiente: armaduras melhores, armas reforçadas e de materiais exóticos (prata, ferro frio, etc), munição para seus arcos, fundas e bestas, múltiplas armas que possam utilizar e até mesmo itens "de requinte" (cordas de seda, lanternas furta-fogo, montarias de combate, livros de magia extras, etc). Chega-se ao ponto, porém, em que as coisas começam a ficar complicadas se os personagens não tiverem acesso a itens mágicos. E aí a coisa se complica um pouco.

Em AD&D, não existem lojas de itens mágicos, e não é esperado que quem possua esses itens esteja disposto a se desfazer deles. Em grande aspecto, o AD&D pressupõe uma realidade próxima da Idade Média, e vive-se um clima de pós-civilização. As riquezas e conhecimentos do passado foram perdidas, e o mundo vive mergulhado em trevas e ignorância, uma veradadeira Idade das Trevas, como é muitas vezes tratada a nossa Idade Média, aqui do mundo real. Isso não é dito com todas as letras em lugar nenhum dos livros básicos, mas é colocado como uma possível visão do mundo no Livro do Mestre, uma que remete à toda a ausência de "como fazer" de magias, itens mágicos, etc.

Uma faceta desse mundo "pós-civilização" é o fato de não se conhecer maneiras seguras de se produzir itens mágicos, sejam simples poções de cura, sejam poderosas espadas vorpais. Tudo, tudo mesmo, tem de ser encontrado, seja em uma masmorra, em um galeão naufragado, em uma caverna misteriosa, na tumba de um lich, no covil de um dragão... é mais fácil sair na rua e tropeçar em uma espada mágica, que realmente ter a oportunidade de pagar por uma delas.

Esse aspecto retira um pouco o valor que os jogadores dão aos tesouros obtidos por seus personagens: um grupo de 5º nível que não tenha encontrado itens é um devaneio no AD&D! Isso era sanado pela adição de itens mágicos aos tesouros, ou como recompensas oferecidas pelas pessoas que contratassem os personagens para cumprir uma missão, etc.

Mas, então, para que é que os personagens precisavam de tesouros?


"Certa Vez, Eu Precisei Pagar Por uma Ressurreição..."

Procurando pelas tabelas de tesouro do Livro do Mestre, percebe-se que é oferecida uma gama de riquezas monetárias: moedas de vários tipos, gemas e também obras de arte. Tudo isso tinha fins bem claros: comprar equipamento superior, pagar por magias que o grupo ainda não tinha acesso ou uso como componentes de magias eram algumas delas. Claro, essas moedas eram também utilizadas para que os personagens mantivessem um determinado estilo de vida, mas essa sempre foi uma Complicação Desnecessária® com a qual poucos mestres (ou mesmo grupos) se importavam. Existia até uma tabela com o "custo padrão" de cada estilo de vida, mas como o foco do jogo sempre foi as aventuras em si, poucas são as pessoas que se importavam em definir quanto custava o conforto dos personagens.

Como dito anteriormente, itens mágicos eram encontrados, e isso minava e eventualmente anulava o custo de obtenção de equipamentos. Sobram então as magias compradas e os componentes mágicos para magias.

Ressurreição era algo complicado de se obter em AD&D. Complicado e caro. Complicado, caro e ainda drenava 1 ponto de constituição. Templos eram um pano de fundo eficiente para aventuras, pois eventualmente um grupo precisava de uma magia de Remover Maldições, Curar Ferimentos Graves, Curar Venenos ou coisa equivalente. E isso custava caro. Era uma boa maneira de manter as riquezas dos personagens em xeque.

Obter componentes para suas próprias magias era um outro bom motivo para os personagens (pelo menos, para os conjuradores) partirem em aventuras. Por mais que se tenha moedas, é sempre melhor ter à mão as gemas necessárias para isso ou aquilo.

Os usos consagrados dos tesouros, como se pode ver, são relativamente limitados. Não é nada complicado pagar por todos eles, e mesmo assim, os personagens ainda terão à sua disposição uma montanha considerável de grana. Como se aproveitar  disso?


"Esse Dinheiro Todo é Um Estorvo!"

Eu ouvi a afirmativa acima em uma sessão há muito tempo atrás, quando um grupo de iniciantes encontrou um tesouro de alguns milhares de moedas de ouro. A primeira pergunta que se fizeram foi: onde guardar tudo isso? Ou, antes ainda, como transportar tudo isso para um lugar seguro?

A maioria dos jogadores não se preocupa em criar um histórico para seu personagem, ao menos não um que assegure um elo com o seu passado. Se ele tinha parentes, eles morreram. Se ele tinha uma cidade natal, ela foi queimada/destruída/dominada pelo mal. Se ele tinha um grande amigo, esse agora é o seu arquirrival. Se ele teve um grande amor, este(a) foi assassinada juntamente com os seus parentes, pelo mesmo mal que destruiu sua cidade natal, e auxiliados por seu antigo melhor amigo.

Como a riqueza, por sí só, já é um objetivo (na vida real ou na fantasia medieval), os jogadores geralmente decidem por abdicar de um certo grau de liberdade da vida de aventureiros de seus personagens, e então criar algum tipo de base de operações para o grupo. Isso é um bom começo, uma ótima iniciativa, o âmago da relação entre os jogadores e o mundo de fantasia onde jogam e interpretam seus personagens. Mas pode rapidamente degenerar para uma série de Complicações Desnecessárias®. Presumamos que tudo correu bem, e que elas não surgiram.


"Não Há Lugar Como o Noso Lar..."
Uma base de operações pode ser tão simples quanto uma singela cabana, ou tão complexa e suntuosa quanto uma fortaleza ou castelo completo, com amurada, fosso, masmorras e portal para o Plano Etéreo. E pode custar apenas o suficiente para instigar os jogadores a investir mais riquezas em uma estrutura melhor. Após a aquisição da base de operações, os personagens podem querer que seus tesouros fiquem bem protegidos, comprando cofres e trancas seguras para guardá-los. Ou mesmo desejando a construção de portas e salas secretas.

Alerta de Segurança: Muitas aventuras, especialmente as que envolvem masmorras, listam vários e vários baús trancados, sem que uma única mísera chave possa ser encontrada por aqueles que percorrerem toda a masmorra. Não seja um mestre relapso, coloque chaves para os baús de sua masmorra: pode ser que os personagens inclusive os levem embora para sua base de operações!

Após encontrarem um lugar seguro para guardar seus tesouros, cada personagem pode querer ter mais que apenas um cômodo para dormir. Magos podem criar laboratórios, sacerdotes podem construir um altar sagrado para sua divindade, ladinos e homens de armas podem querer salas de treinamento, ou mesmo uma arena onde possam testar e treinar novas táticas de combate, bardos podem querer um estúdio para dedicar-se às artes da canção e da poesia. Tudo isso requer dinheiro, aprimoramentos, etc e pode virar um incentivo a mais para se aventurar.

Como dito anteriormente, quando os personagens chegarem ao 9º nível, eles passam a atrair seguidores/fiéis/etc desde que tenham uma base de operações. E o que é que isso tem a ver com tesouros? A princípio, nada... exceto se eles quiserem expandir ainda mais a base que já possuem, criando novos prédios, um templo independente da estrutura original, uma torre para o mago, etc. Nada impede que, dado o poder e a riqueza dos personagens, eles possam erguer uma nova cidadela, um porto seguro em meio às terras selvagens do reino, onde seu poder é absoluto e todo aventureiro é bem vindo. Ou, quem sabe, um oásis no meio de um deserto, um ponto que permita a defesa não apenas das terras em volta, mas também a preservação do precioso manancial que encerra.

Em suma, a base de operações pode evoluir de um simples casebre o lado da taverna, para um centro de poder e influência de um reino, uma referência para viajantes e aventureiros, ou mesmo para peregrinos e refugiados de guerras em locais vizinhos. Sua presença e sua organização podem inspirar modelos dentro do mundo que a cerca!

Alerta de Segurança: Muitos jogadores consideram um porre administrar uma fortaleza. E eles estão certos: ao menos dentro do sistema (e da proposta) de jogo do AD&D, os personagens tem muito mais o que fazer do que ficar perdendo seu precioso tempo com esse tipo de coisa. De modo a manter a coisa toda muito simples, é fundamental que o mestre saiba determinar, juntamente com o jogador, quais serão realmente as obrigações do seu personagem quanto à base de operações. Se o jogador não as quiser, o mestre deve entender e aceitar, criando talvez um PdM (um seguidor/aliado/etc) que o faça em favor do grupo de personagens. A ideia de se ter uma base de operações é enriquecer a caracterização dos personagens dentro do mundo de fantasia,  mostrando não apenas um reflexo positivo de seus feitos e realizações, mas também oferecendo-lhes um porto seguro e um lugar onde possam se recuperar ou mesmo "passar o tempo", e não criar uma coleira que o mestre possa puxar sempre que os personagens estiverem agindo fora do que ele considera correto. A base de operações é dos jogadores, não do mestre!


Quando as Coisas  Começam a Dar Lucro



Não raro, um grupo de AD&D que siga determinado caminho (procurar criar vínculos com o cenário, criar uma base de operações, fundar um templo sagrado/escola de magia/academia de soldados/guilda de mercadores/etc) começa a lucrar, tão somente por uma questão de bom senso. Se o mestre tentara conter esse grupo justamente a partir do bolso, ele se mete em uma grande encrenca, e uma que realmente não permite escapatória (ao menos, não sem que ele roube do grupo). Se os jogadores sentiram-se abusados durante tantos e tantos níveis, eles agora se sentem compelidos a dar o troco, e tem todas as ferramentas para tal. Já vi campanhas tão degeneradas que reinos inteiros foram levados à falência pelo grupo de jogadores... apenas para que o mestre enviasse algumas dúzias de dragões, que prontamente calcinaram tudo aquilo que os personagens levaram tempo para construir. Mas daí os personagens tinham riquezas escondidas e decidiram que era hora de falir outro reino...

Não quero aqui dizer uma forma certa ou errada de jogo, mas uma situação na qual o mestre (adorador do cenário) opõe-se às ações dos personagens dos jogadores (ávidos por mudar aquilo que não curtem no cenário) é errado, ou melhor, contraproducente. Novamente, não é a isso que o sistema de regras se propõe. Esse jogo é sobre heroísmo, lembra?
 
Idealmente, jogadores e mestres utilizarão seus tesouros aprimorando a história, levando a narrativa para adiante, etc. Um anão que tenha enriquecido pode muito bem fundar um novo clã; um ranger exilado pode adquirir enormes extensões de terras selvagens (e provavelmente inóspitas) apenas para a proteger e mante-la intocada. Cada classe de personagem tem objetivos bem maiores que matar-pilhar-e-destruir, e os tesouros servem, quase que unicamente, para a obtenção de meios para se buscar esses objetivos. E, novamente, quando tais objetivos forem alcançados, pode ser a hora de se aposentar aquele personagem, e trazer para a mesa de jogo um dos jovens peregrinos que visita a cidadela dos antigos aventureiros pela primeira vez...
 
E. 

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