segunda-feira, setembro 01, 2014

Milneirão

Não, leitor, não é um erro de digitação no título. É um amálgama entre o número "mil" e o apelido do maior estádio de Minas, o "Mineirão". A razão? O Cruzeiro chegou à milésima vitória no estádio, na sua casa, nos seus domínios. Ok, ok: o estádio é do Governo de Minas, é administrado pela Minas Arena, e não é patrimônio/propriedade de nenhum clube de futebol. Mas e daí? Em um país onde os clubes estão cada vez mais endividados, devendo ao fisco e à Previdência, faz alguma diferença se é patrimônio ou não é? Eu creio que não. Aliás, acho até melhor que não seja!

O Mineirão foi inaugurado em 1965, com um jogo da Seleção Mineira contra o River Plate... adivinha quem narrou o jogo? O nosso querido Alberto Rodrigues, O Mais Vibrante, narrador do Cruzeiro desde os idos de... putz, nem sei. Desde sempre, para sempre!

Na mesma década de 1960, o Cruzeiro conquistou as primeiras 100 vitórias... isso mesmo, já em 1968, o time vencera no Gigante da Pampulha mais de 100 vezes! Estatísticas como essas só foram alcançadas por times como o Santos de Pelé, O Real Madrid e outros desse nível, em suas melhores fases. E já havia, também, o primeiro título nacional conquistado em Minas Gerais: a Taça Brasil de 1966, com um jogo de estonteantes 6 a 2 sobre o Santos... mas tem gente que pode falar disso bem melhor que eu: 


Mas a vida anda, o tempo passa, e logo vieram 200 (1973), 300 (1977), 400 (1982) e 500 vitórias (1987). Vinte e dois anos, 500 vitórias: são quase 23 vitórias por ano. Se já é admirável, a próxima sequência de vitórias seria impressionante: em 300 vitórias (1987-2003) o Cruzeiro papou 1 libertadores, 4 Copas do Brasil, 1 Campeonato Brasileiro, 2 Supercopas, 1 Recopa, 2 Copas Sul-Minas, 1 Copa Centro-Oeste, 1 Copa Ouro, 1 Copa Master e 8 estaduais. Em 16 anos, 22 títulos. Se considerada a série ao menos um título por ano (1990-2004), temos impressionantes 15 anos levantando pelo menos um caneco por ano. No Brasil, é um feito sem igual. No mundo, você encontra equivalências no ilustre Real Madrid, e em mais dois ou três dos quais não me recordo agora. Em 2003, em especial, o Cruzeiro levou três títulos nacionais: o estadual, o Campeonato Brasileiro e a Copa do Brasil, feito inédito no nosso país:


Foram muitos jogadores talentosos reunidos em um time, que deixou marcas ainda perenes no Campeonato Brasileiro de pontos corridos: alcançou 100 pontos de 138 possíveis (72,46% de aproveitamento), 31 vitórias de 46 possíveis (67,39%) e marcou 102 gols em 46 jogos (2,22 por jogo). E jogava bonito, com toque de bola associado a talentos individuais. Dava gosto de se ver!

De 2003 para 2013, o Cruzeiro passou por períodos de muita instabilidade, de muitos problemas e correu até mesmo o risco de rebaixamento. Isso provocou uma reestruturação no clube, que deixou o ano de 2011 como uma lição necessária, um remédio amargo a se tomar para que se melhore. Terminou a competição em 16º lugar, à beira do precipício.

De 2003 a 2014, o Cruzeiro conquistou 200 vitórias no Mineirão, as últimas para que chegasse a um total de 1000 êxitos. São 200 vitórias em 10 anos, o que dá uma média de aproximadamente 20 vitórias por ano. As mais importantes, certamente, foram as que levaram o time ao título de Campeão Brasileiro de 2013. Agora, a partir do dia 27 de agosto de 2014, o Cruzeirense reconhece no Mineirão o Estádio dos Mil Êxitos, o Milheiro do Mineiro, o nosso Milneirão.

Paz, saúde, amor e toda a felicidade do mundo a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, contribuíram para o crescimento do futebol mineiro nesses 50 anos de Mineirão, seja do lado do Cruzeiro, seja do lado de qualquer outro clube de Minas. E, particularmente, muito obrigado a todos e todas que deram o melhor de si para transformar o Cruzeiro em um time de marcas e conquistas incontestáveis ao longo de tantos e tantos anos. Dizem que somos loucos da cabeça...

E.

domingo, agosto 24, 2014

OLD SCHOOL RPG: Railroading e Sandbox (ou, Viseira Versus Vastidão)

Resolvi voltar a escrever nesse blog porque, aparentemente, ele ainda é muito visitado! Não sei bem o motivo, mas é. Então, em homenagem aos RPGistas que não arredam o pé, retorno ao blog para falar um pouco mais sobre RPG. E, como a minha temática favorita é o OLD SCHOOL, centralizo o texto em seus domínios.

Para quem já joga, não é necessário dizer o que é Railroading (Viseira) e o que é Sandbox (Vastidão). Para você que não joga, que é novato ou que não entende bem esses conceitos, tentarei explicar e comentar um pouco a respeito de cada um deles.

O RPG, sendo um jogo de interpretação de personagens, envolve o desenvolvimento de uma história, de uma sequência de eventos ao longo das sessões de jogo. Os personagens ganham níveis, realizam feitos, acumulam tesouros, etc. Isso tudo acontece com um pano de fundo, chamado cenário de jogo ou cenário de campanhas, e um roteiro, que são as aventuras em si. Tudo aquilo que acontece ou já aconteceu aos personagens, aconteceu em uma aventura, então a maneira como elas são conduzidas/imaginadas/planejadas é crucial para todo o desenvolvimento do jogo de RPG em si.

Aventuras, para quem não sabe, são trabalhosas para o mestre. Você achou difícil quando seu personagem teve de derrotar aquele ogro ainda no segundo nível? Pois saiba que difícil mesmo foi para o mestre, que teve de planejar exatamente em que contexto aquela criatura estaria ali, quais as repercussões de sua presença, que tesouro possuía e como seria a curva de crescimento de poder do grupo de personagens antes e depois de combater aquele ogro, apenas para falar dos elementos mais imediatos. Não é fácil.

Por tantos e tantos fatores, cada mestre segue um estilo particular de narrativa, aquele que o deixa mais confortável para tomar as decisões. Não existe um modelo pronto e acabado para se seguir: cada um narra da maneira que o deixa mais à vontade para tomar as decisões, o que dinamiza a criação das aventuras em si e coloca tudo em um ritmo de jogo mais cadenciado para o grupo.

Falemos, então, da Viseira e da Vastidão.

A Viseira, ou o Railroading

A aventura do tipo Viseira é aquela onde todas as sequências de ações são pré determinadas pelo mestre, antes mesmo de os jogadores criarem seus personagens. Pense em uma aventura pronta, daquelas que se compra por aí. O autor não tem o menor controle sobre quais personagens formarão o grupo de jogo, não sabe se o mestre será um veterano ou um iniciante, não sabe qual cenário de campanha será utilizado como pano de fundo, etc. Ou seja, ele tem de tomar todas as decisões, e então conceber o material dentro de uma lógica própria. E não adianta muito ele se debater sobre isso, porque as mais diferentes pessoas adquirirão aquela aventura para os mais diferentes propósitos. Iniciantes podem querer um primeiro contato através dela, enquanto veteranos podem querer apenas algo para adaptar ao seu próprio cenário de jogo. Como não há como (e nem porquê) agradar a todos, a melhor decisão é tomar todas as decisões, amarrar todas as pontas e entregar algo com começo meio e fim.

Em síntese, a Viseira deu ao produto final o norte do qual precisava, e se propôs a concretizar um roteiro, com desafios e prêmios previstos.

Em AD&D, muitas aventuras ficaram famosas não apenas pelo modelo Viseira, mas porque esse modelo, associado ao estilo "save or die", gerou situações delicadíssimas. Existem aventuras nas quais as masmorras tinham 3 entradas, sendo duas delas armadilhas mortais. Isso mesmo: seu personagem morria antes de entrar na masmorra! Existiam ainda descrições do tipo "caso alguém mova o castiçal próximo à escada, será aberto um compartimento secreto no terceiro degrau", ou seja, nada de se usar apenas a mecânica de encontrar portas secretas: o jogador tinha de falar PRECISAMENTE que seu personagem fizera algo, para então obter o resultado. Existe toda uma infinidade de enigmas que demandavam palavras específicas, PdM's que detinham informações cruciais e só as revelavam quando ESPECIFICAMENTE perguntados sobre, monstros em tabelas de encontros aleatórios que detinham tesouros cruciais para o sucesso dos grupos, etc. A viseira, nesse caso, delimitava em pontos muito mais que específicos a experiência de jogo.

Não por acaso, muitos mestres de RPG iniciados no AD&D utilizam esse modelo de jogo, pois foram treinados apenas nele enquanto jogavam aventuras prontas. Eles então concebem suas campanhas como viseiras, como aventuras nas quais os personagens tem sim de responder a cada desafio da maneira exata como ele imaginou, para então obter o sucesso. Não existe, em si, um demérito nisso, mas há o risco de os personagens não conseguirem os objetivos e afundarem com todo o planejamento da campanha, o que na verdade é um enorme prejuízo para o mestre!

O estilo viseira de jogo é muito comum aos grupos em eventos, onde não há espaço para se desenvolver a história de cada personagem quando o jogador chega. Tudo tem de ser agilizado, tem de ser rápido e ao mesmo tempo seguro. Isso tudo só é conseguido com muito planejamento prévio, com o estabelecimento dos desafios e recompensas, etc. Se, por um lado, esse modelo dá ao mestre controle total sobre tudo, sobre os rumos e destinos da campanha e, de certa forma, sobre a garantia de que o jogo será divertido para todos, por outro lado ele coloca um calhamaço de planejamento e de análise prévia e de trabalho nas mãos do mestre, que literalmente tem de decidir TODAS as possíveis linhas de crescimento da campanha antes das sessões de jogo.

A Vastidão, ou o Sandbox

Da mesma forma que existem as pessoas que, ao viajar para o exterior, seguem fielmente um guia escrito e planejado, há aqueles que, ao chegar em uma terra estranha, pegam o primeiro ônibus e partem para o desconhecido, esperando pelo melhor. Eles se sentam à janela, ou ficam em pé, puxam assunto e tentam ao máximo se divertir. Este é o estilo de jogo da vastidão: você não se prepara para quase nada, exceto para se divertir. Você chega à sessão de jogo, os jogadores fazem seus personagens (digamos, um grupo de 4 ladinos), fazem os históricos de seus personagens e então... quando você vê, se passaram 4 horas e todo o mundo tem de ir embora. Daí, na próxima sessão de jogo, vocês se encontram novamente e, surpresa, chega um jogador novo! Ele então decide participar, faz outro personagem (mais um ladino), com histórico e tal. Todo o mundo conversa, todo o mundo se entende e se apresenta, e as pessoas começam a conversar sobre que tipo de aventura querem jogar. Quando todo o mundo decide o estilo, a campanha, o nível inicial e outros pormenores, lá se foi mais um dia. No terceiro ou no quarto dia de jogo, se ninguém mais aparecer e se ninguém desistir, deve rolar a primeira sessão de jogo. Óbvio que ela não seguirá um roteiro todo escrito, pois nem mesmo o grupo esperava jogar naquele dia, o mestre não se preparou e alguns jogadores podem ter algumas dúvidas sobre regras e personagens. Quando esse grupo eventualmente começar a jogar, algumas interrupções ocorrerão: qual o cenário de campanha? Quais as divindades? Qual é o poder central, quem governa? Qual é a história das famílias mais antigas da cidade? Se o mestre utiliza um cenário pronto, essas perguntas são todas facilmente respondidas... mas e se ele utiliza cenário próprio? Pense um pouco na maneira como esse parágrafo vem sendo escrito: ele não te parece grande demais? Será que ele não poderia ser subdividido, ter alguns trechos removidos e outros desenvolvidos? Provavelmente sim, mas em um jogo do tipo vastidão, nada está muito definido, e as coisas partem muito mais do improviso e da espontaneidade que do planejamento e do método.

Esse estilo de jogo tem lugar de destaque porque o RPG é, eminentemente, um jogo do improviso. Por mais que se possa querer e prever as ações dos personagens, elas tem de ser decididas no calor do momento, na hora, no improviso. Quantas vezes os grupos de jogadores traçaram estratégias para uma batalha e, logo na primeira rodada de combate, tiveram de jogar tudo às favas e improvisar de imediato?

O jogo de RPG é um jogo que demanda desenvoltura e raciocínio rápido, especialmente por parte do mestre. Se ele conseguir levar uma campanha primordialmente no improviso, alimentando as aventuras futuras a partir do que acontece dentro das próprias aventuras, o divertimento do grupo de jogo tende a ser muito maior: você lidará diretamente com as consequências criadas pelos seus personagens, e não com o que está escrito no bloco lateral da página 35 da aventura. O preço? Bom... boa parte das vezes, as coisas não andarão ao seu favor, enquanto jogador. Para o mestre, existe ainda um ponto delicadíssimo: por mais que seu estilo seja de improviso e de criatividade, se o grupo de jogo perceber que não há de fato uma aventura previamente escrita e planejada, há o grande risco de todo o mundo perder o interesse, para não dizer o respeito. Um mestre que não planeja tudo (ou quase tudo), na visão de muitos, não deveria sequer estar mestrando.

O contrato que se estabelece entre jogadores e mestre é muito claro: um propõe os desafios, e os outros tentam resolvê-los. Se os desafios não são previamente criados pelo mestre, toda a sorte de suspeição recai sobre esse contrato. Está o mestre perseguindo alguém? Está o jogo tão equilibrado quanto deveria? Será que um pouco mais de planejamento seria tão ruim assim? As pessoas podem sim se sentir que é inseguro. Do lado do mestre, novamente, a coisa é muito mais delicada: por menos planejamento que se faça, todos nós temos expectativas e metas. Ao longo do desenvolvimento das aventuras, os mestres também se envolvem, também imaginam desfechos e ambicionam o crescimento de algum personagem, de alguma região, de uma cidade, etc... e se, no meio de tudo, os personagens destroem isso? Saberá o mestre lidar  com a perda, e tocar a campanha para adiante? Desplanejar e desapegar... será isso assim tão fácil?

Mestrando e Jogando

No fim das contas, como eu disse no começo, não é sobre a maneira correta ou incorreta de se jogar, e sim sobre se divertir. Não busque o seu próprio sofrimento, não crie uma aventura que pesará sobre seus ombros e não jogue em uma campanha onde seu personagem não tem tanta liberdade/segurança quanto você gostaria. Procure meios termos. Dialogue. Faz parte do jogo discordar, rever as possibilidades e criar aquilo que melhor se encaixa nos planos de um e no improviso de outro.

Só não deixe de se divertir.

E.