segunda-feira, novembro 11, 2013

... Campeão?

O Cruzeiro venceu o Grêmio ontem, pela trigésima terceira rodada do Campeonato Brasileiro de 2013. Com isso, chegou a 71 pontos, que costuma ser o número mágico para quem quer ser o campeão do torneio. O segundo colocado, o Atlético-PR, tem... 58 pontos, nos mesmos 33 jogos disputados. São 13 pontos de diferença, a 5 rodadas do fim. O resultado dessa vantagem é que o Cruzeiro nem precisa mais jogar: para se sagrar o campeão, só precisa que o Atlético-PR deixe de ganhar uma única vez, pois nesse caso o time do Paraná só chegaria a 71 pontos. Nem vou comentar sobre o abismo que separa os dois times no quesito saldo de gols e no número de gols pró. No número de vitórias, o Cruzeiro nem pode mais ser alcançado (22 a 16, a 5 rodadas do fim).

Então, o Cruzeiro já é o campeão?

Prefiro não responder agora, porque há muito mais o que se dizer sobre esse campeonato brasileiro de 2013. No último texto, falei sobre as disparidades, os absurdos e o avesso que é esse campeonato brasileiro de 2013. Hoje, gostaria de chamar a atenção para algumas outras coisas.

A primeira coisa que quero destacar é o fato de o Cruzeiro ter vencido todos os outros participantes do torneio, o que é inédito na história da competição. Pensem bem se é fácil vencer 19 adversários, e vocês todos perceberão a grandeza do feito. Para mim, já vale algum tipo de troféu, de exemplo, de placa e de homenagem.

A segunda coisa é a maneira como o time jogou a competição. O futebol apresentado pelo Cruzeiro é um bom resgate de algo há muito perdido nesse país: o direito de se jogar bonito, com toque de bola, sem correria e chutão, e ainda aspirar ao título. O Grêmio entrou com três zagueiros e três volantes ontem, o jogo foi truncado, e no final: 3 a 0 para o Cruzeiro. Jogou mal o Grêmio? Não, não jogou, mas não veio aqui para ganhar a partida. O Cruzeiro, em todos (?) os jogos do Campeonato, jogou para ganhar. E, noves fora aquelas feiosidades que todo o mundo faz hoje em dia (como aquela esparrela de se prender a bola na cobrança de escanteio, a minutos do fim da partida), obteve seus pontos jogando o seu futebol, com a sua tradição e da maneira que sempre fez em todos os títulos do passado: toque de bola, dribles objetivos e finalizações das mais precisas.

Terceira coisa: muita gente ainda pensa que a grandeza de um clube é medida por seus títulos, por sua galeria de troféus e medalhas. Eu não penso assim. A grandeza de um time está em sua matriz, seu estilo de jogo, suas tradições e seus craques históricos. De 1990 para cá, o Cruzeiro venceu muitas competições, mas não foram os troféus que ficaram: foram as tradições do clube, foi o reconhecimento nacional e internacional de que existe "um certo" time azul-celeste em uma cidade do interior do Brasil que joga com seu estilo próprio. Que entra na Libertadores, e é respeitado. Que vai em excursão, e mostra sua identidade. Que joga aqui, joga ali, seja um amistoso, seja um especial para encerramento de carreira de jogador, e sempre traz consigo a marca do toque de bola, da velocidade, da habilidade e dos atacantes astutos, astutos como a Raposa que lhe serve de mascote.

Em 1976, Joãozinho foi mais astuto que todos. Em algum lugar, Deus gargalhou, e o Diabo sentiu uma pontinha de inveja.

Em 1994, Ronaldinho foi mais astuto que Rodolfo Rodrigues.

Em 1996, Marcelo Ramos foi mais astuto que o goleiro, os zagueiros, o narrador, o comentarista...

Em 2000, Geovanni, auxiliado por Miller, foi muito astuto. Rogério Ceni se recorda.

No mesmo 2000, o goleiro André foi mais astuto que seus colegas de time, e que boa parte da torcida.

Em 2003, sobrou astúcia, para todos.

E, em 2013, astuto foi Marcelo Oliveira, que sempre conheceu e reconheceu a grandeza de um adversário histórico, e soube respeitá-la, não inventar, e dar à torcida e à competição um Cruzeiro xerocado dos idos de 2000, de 1990, de 1980...

O futebol brasileiro (o BOM futebol brasileiro) tomou um duro golpe em 1982, quando jogou tão bem e se saiu tão mal naquela Copa do Mundo. Para piorar, em 1994, um time de brucutus sagrou-se campeão mundial. Nós aqui, desde então, começamos a ver uma produção em série de "um certo tipo de jogador", um cara que fica ali, perambulando pelo meio de campo, sem muito propósito nem muita lucidez, apenas esperando a hora de matar (sim, MATAR) um lance do adversário. Desde então, todo o mundo tem 2 ou 3 desses caras em campo, e é esse genocídio no nosso futebol... e aí, quem se atreve a criar algo em um ambiente desses? Alguns se atrevem... atualmente, há "um tal" de Ronaldinho Gaúcho, mais uns e outros, que trazem consigo mais que a vontade de ganhar rios de dinheiro, que fazem as jogadas parecerem fáceis... talvez eles não se deem conta, mas o fato é que eles inspiram, eles fazem com que os próprios adversários queiram ver mais... queiram ser mais... queiram jogar mais. Em 2003, eu vi uns e outros adversários parados em campo, vendo o Alex jogar pelo Cruzeiro. Não raro, ainda vejo o mesmo atualmente, quando o Ronaldinho Gaúcho põe o pé na bola. É sempre rápido, sempre apenas um lampejo, mas aquela admiração está ali, está sempre ali, não pela figura do craque em si, mas sim do bom futebol prestes a se manifestar. Para que fique fácil de se observar, veja o comportamento desses jogadores, que formam uma barreira, durante a cobrança de falta de "um certo" Zico, láááá em 1987...


... se você reparar bem, apenas um deles salta durante a cobrança, e todos os outros (cinco?) viram-se para acompanhar a trajetória da bola. Eles não querem saber que é semifinal de campeonato, se é jogada do adversário ou o quê. Eles querem ver o bom futebol, e eles estão no melhor assento possível: dentro do campo. Quando a bola que eles acompanham, hipnotizados, finalmente entra, alguns põem as mãos na cintura, em um gesto que parece dizer "como é que ele consegue?", ou "putz, o goleiro nem teve chance". Esse mesmo gesto, esse mesmo grupinho decepcionado, também é visto em um gol de Éverton Ribeiro, contra o Santos, que ficou 1 a 0 para o Cruzeiro. Repare ao final do vídeo, os 4 defensores, cabisbaixos, de mãos na cintura, sem nem ter muito para onde olhar:


É esse o mais importante feito do Cruzeiro em 2013, o de ser um time que joga o futebol que todos deveriam jogar: um futebol agudo, objetivo, lúcido e direcionado para a construção das próprias vitórias, e não para a destruição das jogadas do adversário. O São Paulo foi tricampeão brasileiro, o primeiro autêntico tricampeão brasileiro, há menos de 5 anos... e ninguém se lembra daquele time, justamente porque era um time de brucutus, de retranca, de gente interessada em matar (MATAR) as jogadas adversárias, de ganhar sempre de 1 a 0, sempre abusando do anti-jogo, das faltas, enfim, fugindo do bom futebol. Entrou para a história, mas não inspira em nada. Agora, o Cruzeiro ou o Santos de 2003... o São Paulo ou o Palmeiras de 1993... o Flamengo ou o Atlético-MG de 1980... o Inter ou o Cruzeiro de 1975... o Santos ou o Botafogo de 1961... tantos outros, com ou sem títulos, foram times que inspiraram, e ainda inspiram, as melhores escolas de futebol do país. E que deram identidade às suas equipes, além de craques, hinos e padrões de excelência das diferentes escolas de futebol do Brasil.

Do país do melhor bom futebol que existe.

E.

sábado, novembro 02, 2013

Tão Perto do Título, Tão Distante da Realidade

Nessa semana que se iniciará amanhã, o Cruzeiro viverá a expectativa da conquista do título de Campeão Brasileiro de 2013. Dez anos depois, um time fora do eixo Rio-SP poderá ganhar o campeonato nacional... como fez o próprio Cruzeiro, em 2003.

No ano de 2003, o Cruzeiro ganhou tudo o que disputou: Brasileiro, Copa do Brasil e Campeonato Mineiro. Como foi a primeira vez que isso aconteceu aqui no Brasil, deu-se o nome de Tríplice Coroa ao feito, um nome que já era utilizado no futebol europeu para um time que tivesse desempenho similar (eles não tem campeonatos estaduais, como nós aqui temos, então os títulos de lá são o Campeonato Nacional e os dois torneios continentais, Copa da UEFA e Copa dos Campeões da Europa). Desde então, ninguém mais conseguiu repetir o feito do Cruzeiro, apesar de alguns times daqui terem ganho 3 títulos no mesmo ano (se não me engano, o Internacional o fez em 2006, por exemplo).

Em 2013, se ganhar o Campeonato Brasileiro, o Cruzeiro superará todas as expectativas com relação ao seu desempenho para a temporada, inclusive as suas próprias. Foi um time montado muito às pressas, com um treinador de ótimo nível, mas sem muito tempo para entrosar a equipe. Além do curtíssimo tempo para se preparar para a competição, o Cruzeiro tinha contra si mesmo o recente período de "crise", onde o time não ganhou nada (novamente, desde 2003) e vinha perdendo espaço para o Atlético-MG. Para piorar ainda, os rivais ganharam a Taça Libertadores em 2013, maior conquista da história do clube alvinegro. Não, não parecia um bom ano para nós, cruzeirenses, ou para o nosso time.

Porém, alguns fatores decisivos entraram em campo em 2013.

O maior e mais evidente fator, na minha opinião, foi a queda de qualidade de todo o futebol jogado na América do Sul. Não, o Cruzeiro não disputou a Libertadores em 2013, assim como não o fizeram vários times tradicionalíssimos na competição. O São Paulo, tão grandioso em Libertadores, foi um coadjuvante limitado. O Fluminense, Campeão Brasileiro de 2012, foi menos ainda - e segue na rabeira do campeonato nacional desse ano. O Corinthians, campeão da Libertadores do ano passado, parece que nem participou! O torneio foi fraco, mais fraco que a média. Ainda assim, coroou um campeão tão digno quanto qualquer outro campeão, um time que jogou com muita raça, muito toque de bola, muito apoio da torcida e que também contou com muita sorte. E todo campeão de Libertadores tem que ter sorte, vide 1997:



... vide 2004:


... ou vide 2002:


Em termos de nível técnico, o mesmo fiasco presenciado na Libertadores pode ser presenciado no Brasileirão desse ano. Palmeiras, rebaixado no ano passado e atualmente disputando a Segundona, é o melhor destaque do futebol paulista... do carioca, fala-se menos ainda. Nenhum dos dois produziu nada digno de nota, exceto um Botafogo sem muita vocação para o título, ou mesmo para o vice-campeonato. Se o Cruzeiro ganhar o título, terá vencido um campeonato também fraco, mais fraco que a média, ainda que de maneira digna e com todos os méritos, tanto quanto qualquer outro campeão etc etc etc.

Mas, como explicar? Como pode um campeonato nacional, onde estão os atuais campeões do mundo, da libertadores e da mercosul, não ser admirável? É difícil de se entender - não que eu não esteja achando o máximo! - um Brasileirão de 20 clubes, onde 6 das últimas 10 posições pertencem a clubes do eixo Rio-SP, onde não há paulista no G4 e com o atual campeão na porta da zona da degola. É como se, de repente, os times do Paraná, da Bahia, de Santa Catarina e Goiás acordassem para a competição, para as vitórias, mas sem o brilho de um futebol bem jogado. Vale mais raça e vontade que consistência e qualidade.

O Cruzeiro destacou-se, sim, por um bom futebol nesse longo campeonato... porém, praticamente não teve adversário nesse quesito, perdeu o estadual (não teve ressaca de título) e foi logo eliminado da Copa do Brasil (não teve que dividir o foco), então lutou pelo que restou, e vem acertando. O próprio Atlético-MG, se tivesse curtido menos a sua ressaca pós-Libertadores, seria também um candidato ao título tão digno quanto, e aí sim ficaria IMPOSSÍVEL aguentar os atleticanos... para o "azar" deles, todo o mundo ficou muito feliz com a conquista da Libertadores, deixando o Brasileirão de lado.

Mas e todos os outros? Como explicar?

Não creio realmente que haja uma explicação para tanto desprezo, despreparo e desinteresse com relação ao Brasileirão... é como se a realidade fosse outra, como se a Copa do Mundo já estivesse acontecendo dentro de muitos dos clubes, como se os interesses fossem já beeem distantes não apenas desse campeonato, mas também de todo o calendário do futebol de 2013.

Tanto melhor para o Atlético-MG e para o Cruzeiro que, atentos às suas respectivas realidades, tão distantes da norma de cada um, souberam aproveitar-se da distração dos outros e marcar lugares muito dignos. Para ambos. Com ou sem título.

E.