sexta-feira, setembro 13, 2013

Uma Cidade Carente de Babás


Há mais ou menos um ano atrás, o Prefeito Márcio Lacerda deu essa entrevista, comentando as inundações do então mês de novembro de 2012 em BH. Causou aquele furorzinho de nada em muita gente. Aquela raivinha besta, de quem dá um soco na mesa ou no braço da poltrona, e então acompanha caladinho à previsão do tempo ou aos gols da rodada, ou o que quer que venha logo em seguida. Gente que certamente votou nesse cara, e então o reelegeu.

Hoje, porém, andando pelo centro de BH, vivi algumas situações que dão ao Prefeito Márcio Lacerda alguma razão em dizer o que disse (ou seja, ele fez a afirmativa certa no contexto errado). Muita gente em BH necessita de babás.

Fui comprar ingressos para o jogo do Cruzeiro contra o Atlético-PR, no Mineirão. Como levarei uma amiga ao estádio, e será a sua primeira vez, pensei em comprar ingressos das arquibancadas centrais, o setor vermelho ou o setor roxo, no anel superior, pois não há melhor lugar para se ver a partida. A entrada mais barata? Cem reais. Sim, duzentos reais para duas pessoas assistirem a uma partida de futebol, mais custos de alimentação, água, transporte, etc. Bom, em se tratando de ocasião especial, decidi que valia a pena... até chegar ao guichê e ser informado de que não poderia escolher a posição das poltronas. Hein, como assim? A atendente explicou: as entradas são vendidas aleatoriamente para cada setor. Argumentei que o estádio era todo numerado, separado por setores, fileiras e cadeiras, e que não fazia sentido eu não poder escolher a posição das cadeiras de acordo com a disponibilidade. Daí, ela me disse o seguinte: Tanto faz a cadeira que você compra, pois ninguém está obedecendo à numeração delas. Emudeci diante de uma afirmação tão tácita vinda de uma pessoa que trabalha vendendo ingressos na sede do Cruzeiro, que aceita e corrobora a falta de respeito das pessoas que não estão nem aí para a posição do seu assento demarcado, e se dão ao direito de ir sentar nas cadeiras dos outros. Não quis saber dos cambistas posicionados a 6 metros das bilheterias, ali mesmo, ou da animada conversa dos seguranças engravatados com esses mesmos cambistas, mas ouvir com todas as letras o descaso e a omissão diante de um mau feito me deixou desarmado. Resumo da ópera: o torcedor brasileiro precisa de babás, para entender que não pode se sentar onde não pagou. Babás que o guiem até seu assento, que os acompanhem durante toda a partida - inclusive no intervalo -, que os levem ao banheiro, que os indiquem como se comportar nas filas, como não comprar ingressos de cambistas, etc etc etc. Porque, por si só, não dão conta. O próprio clube, nesse caso, acusou o golpe e aceitou o mau feito: oras, se os próprios torcedores não respeitam as numerações, por que é que eu vou me dar ao trabalho de vender ingressos realmente numerados? Põe uma geradora de números aleatórios, vendem-se os bilhetes, e o sujeito que se vire lá com quem estiver em seu assento. Que beleza!

Pouco antes de comprar os ingressos (que acabei levando em um outro setor), estava atravessando a Avenida Augusto de Lima e, mais ou menos no meio do caminho, o sinal mudou de verde para aquele vermelho intermitente. Imediatamente, um dos carros parados emitiu aquele característico ronco de motor que todo pedestre astuto conhece como sendo o código internacional para "apresse-se, senão eu passo por cima de você", e então põe-se a trotar, correr, manquitolar, enfim, a se mover mais rapidamente sobre a dita faixa, em direção ao canteiro. É claro que, assim que você passa, a pessoa que controla o dito automóvel acelera mais ainda, e sai cantando pneus, tirando casquinha de você. Pois bem, dessa vez, não acelerei o passo. Continuei caminhando no meu ritmo, nem devagar e nem apressado e, só para garantir que a mensagem tinha sido recebida, direcionei à pessoa no assento do condutor daquele veículo o mesmo olhar que direciono aos meus alunos quando fazem bagunça demais.

O carro morreu.

Mentira, não morreu, mas o ronco do motor diminuiu para quase zero. Não sei com o quê a pessoa atrás do volante se parecia, se era homem ou mulher, pois o vidro era demasiado escuro para se enxergar. Gosto de imaginar, contudo, que a pessoa fez aquela cara de "foi mal, me desculpe". Atravessei a faixa, cheguei à calçada e, só então, aquele carro e um outro ao seu lado seguiram seu caminho.

Estou para ver outra coisa que transforme uma pessoa tão rapidamente em um neandertal quanto o ato de dirigir. É como se o sujeito estivesse não dentro de um automóvel, mas sim de uma cápsula de direitos e privilégios aprimorados. É incrível: não há uma relação dentro do trânsito que não seja pura e simples competição. O sujeito recebeu a preferência? Lá vem o buzinaço, pura inveja destilada... por quê ele, por que não eu? É como se um direito tivesse sido retirado de várias pessoas, para atender apenas a uma delas. O sujeito quer trocar de faixa, dá seta, faz tudo certo... mas quem é que lhe dá espaço? Ninguém. E, se alguém oferece esse espaço... lá vem buzina. Como assim, você deixou esse cara passar na nossa frente? Eu estou perdendo aqui atrás! É como uma criança mimada, que não queria um doce até saber que era o sabor favorito do coleguinha ao lado. Não importa se o trânsito está parado, se está tudo enroscado, se há 3 ou 4 policiais tentando organizar aquela coisa toda, o sujeito não dá a preferência por nada! Para ninguém! Tá na ambulância, de sirene ligada? Morre, meu filho... mas morre aí atrás, porque aqui você não passa! E os pedestres, novamente: começou a piscar o sinal, começam a correr na faixa. Não, não importa que o cruzamento esteja fechado, que o guarda de trânsito ainda não tenha feito o sinal para que os motoristas deem a largada, o que importa é que os caras já estão acelerando e pondo os motores para roncar alto, portanto "apresse-se, senão eu passo por cima de você". Minha nossa, quantas babás são necessárias! Uma para cada motorista, pelo menos... mais umas tantas para os pedestres... eu diria uma babá para cada dois pedestres. Mais os motociclistas, que hoje proporcionaram uma visão inédita: enquanto vinha um guarda municipal em sua moto/viatura, de sirene ligada e tudo o mais, contornando os carros, lá vinham atrás dele seis ou sete motociclistas, civis, de viseira levantada nos capacetes, seguindo por um caminho aberto por um veículo oficial, tal e qual as pessoas fazem quando uma ambulância passa com a sirene ligada. Vão no vácuo. Aceleram suas vidas sobre a morte dos outros. Mas, com motos? Inédito! Inevitável lembrar-me das patas que vão à frente, com uma fileira de 5 ou 6 filhotes a lhes seguir, em fila, comportados... haja babá!

E.