sábado, agosto 24, 2013

Cavalo e Maçãs

Um pequeno cavalo entrou em um pomar, sem selas, sem intenção alguma. Apenas entrou. Porteira aberta, reentrância na cerca do curral, e foi-se. Para ele, em seu breve trote de um ponto a outro, não sabia realmente se estava entrando em um lugar ou apenas saindo de onde estava: apenas moveu-se.

Além do pomar, um muro. Não havia horizonte a se buscar, e portanto restou ao pequeno cavalo apenas olhar ao redor, encurtar o olhar. Cavalos não são bons em enxergar coisas que estão muito próximas deles mesmos. Seus olhos sempre buscam o horizonte, o longe, detrás das serras e morros. Eles veem um buraco 500 metros à frente, mas não veem uma cobra um metro adiante. Portanto, estar em um pomar não dizia nada de nada, pois o pequeno cavalo não o via adequadamente.

Aquilo incomodou. Quis saber onde estava.

Saiu, passou novamente pelo curral, atravessou outra cancela aberta - que povo relapso! - subiu um morro, e olhou para trás. Dali, ele viu o pomar, o curral, a casinha e o açude. Tudo muito bonito e bem cuidado: jardins, calçadas, hortas e... o pomar. Que belo pomar! Com tantas maçãs, maduras! Prontas para a colheita, para os doces, os passeios dali até à cidade, as idas e vindas, as visitas, os surrupios dos garotos e as brincadeiras das meninas. E tão lindo pomar, já no fim do barranco - ah, então não era um muro, era a parede de um barranco - todo cercado e sombreando aquele lado da casa.

A distância o incomodou. Quis voltar para onde estava.

E, descendo, pisando aqui e ali, desviando daquilo que sabia, de memória, ser o pior caminho, voltou ao curral. Entrou, mas antes que pudesse retornar ao pomar, uma lufada de vento empurrou a cancela, que bloqueou seu caminho, fechando a entrada para o pomar. Não poderia mais retornar. E o vento encorpava, sacudindo tudo que ele não via. Ali, naquele fundo de barranco, o vento fazia das suas, curvando, assoviando, subindo, afastando e fechando as copas das árvores, a crina no pequeno cavalo, as janelas da casinha. Tudo sem muito ritmo, mas muita persistência. O pequeno cavalo animou-se com o assovio do vento em seus cascos, e imaginou-se a correr e rodopiar entre os morros, longe, observando o pomar e todo o resto. E relinchou, feliz, dentro do curral.

Quando o vento arrefeceu, o pequeno cavalo deliciou-se com o cheiro forte de maçãs recém-caídas das árvores. Maçãs que ele não via, mas que se lembrava, de quando estava longe, como eram belas, brilhantes, sedutoras...

E.