terça-feira, dezembro 14, 2010

Sobre os Títulos dos Anos 1959 a 1970

Taça de Prata, Torneio Rio-São Paulo, Taça Brasil, Roberto Gomes Pedrosa... o que é o quê, afinal de contas?

Bom, vamos por partes.

O Brasil, em termos de futebol, sempre foi uma panelinha de cariocas e paulistas, que mantiveram, por décadas e na base da empáfia, o monopólio do que é que seriam os times "representativos do futebol brasileiro". Enquanto nossos vizinhos Argentina e Paraguai tem torneio internacional deeeeesde 1905, com uma Copa entre os dois melhores times de cada país a cada ano, o Brasil nunca teve o interesse de realizar um torneio/campeonato/copa para integralizar o futebol no país. A seleção nacional era formada por jogadores que atuavam no Rio ou em São Paulo, ponto. E, nas histórias registradas de vários times, há artilheiros e jogadores de muito destaque registrados em torneios estaduais, mas nunca atuaram pela seleção. Simplesmente porque não atuavam no eixo RJ-SP.

Daí, em meados da década de 1950, após a Copa do Mundo no Brasil, que impulsionou o futebol em muitos estados do país, a Conmebol resolveu realizar um torneio de times sul-americanos. Cada país deveria enviar seus representantes, e o único quesito era o de que "todas as regiões" de cada país participassem (ou tivessem a chance de participar) da competição que garantisse o acesso,  e consagrasse um campeão nacional. O primeiro torneio seletivo deveria ocorrer em 1959, pois a primeira Libertadores da América ocorreria em 1960.

Essa foi a razão de criação do primeiro torneio autenticamente nacional, a Taça Brasil. Ainda assim, como já tínhamos o Torneio Rio-São Paulo estabelecido, a CBD (precursora da CBF) resolveu que os times desse torneio não precisavam entrar nas fases iniciais do torneio, mas apenas em seu final. Mais ou menos como a Copa do Brasil nos dias de hoje, só que com um pouco mais de empáfia e favorecimento.

Os únicos times que ganharam a Taça Brasil passando por todas as fases do torneio foram: Bahia (1959) e Cruzeiro (1966), ambos vencendo o Santos no jogo final. Em todas as vezes em que o Santos ganhou os títulos (1961, 62, 63, 64, 65) o time entrou direto na fase semifinal. Outros times, também campeões, como Palmeiras e Botafogo, entraram nas quartas de final. Tudo isso, devido ao favorecimento do Torneio Rio-São Paulo.

Nesse final de 2010, discute-se a equivalência dos títulos da Taça Brasil com o Campeonato Brasileiro. Eu, cruzeirense que sou, considero tal equivalência como um desmerecimento à Taça Brasil. Explico.

Da origem do futebol no Brasil, até 1966, a empáfia do Rio-São Paulo imperou nesse país, e apesar de o Santos ter perdido o título para o Bahia em 1959, o grande tapa de luvas foi o título do Cruzeiro, em 1966, não apenas porque destronou um time já consagrado mundialmente, mas porque foi uma vitória incontestável, com um 6 a 2 no primeiro jogo, e uma virada histórica, 3 a 2, no jogo de volta, na casa dos paulistas. Não havia mais como dizer que o Rio-São Paulo englobava os times "representativos do futebol brasileiro", pois o Cruzeiro (e muitos outros dignos representantes do nosso futebol) não atuavam nesse campeonato. Algo precisava ser feito.

No ano seguinte, 1967, o Torneio Rio-São Paulo deixou de contar apenas com times do "eixo do mal", passando a contar com times de MG, RS e PR e passou a se chamar Roberto Gomes Pedrosa (Taça de Prata). Em 1968, incluiram-se dois times do Nordeste (um da BA e outro de PE). A Taça Brasil ainda seria disputada concomitantemente, em 67 e em 68, sendo extinta em 1969, permanecendo portanto a Taça de Prata como único torneio nacional. Esse torneio, constituído pelos campeões e vices de vários estados (ainda com um favorecimento aos times do "eixo do mal", que incluíam 4 ou 5 participantes cada) evoluiu e, em 1971, tornou-se o Campeonato Brasileiro, que contou com 20 clubes de 8 estados diferentes.

Portanto, goste a maioria ou não, a Taça Brasil não era um campeonato brasileiro, apesar de ser um campeonato nacional. Dentre outras coisas, ela simplesmente mimetizava uma competição nacional, pois era disputada em chaves regionais: norte, nordeste, centro e sul. Ela era apenas um pretexto, um álibi, para que os times de SP e RJ tivessem acesso "garantido" à Copa Libertadores, e é por isso que os times campeões do Rio-São Paulo tinham acesso à competição já nas quartas de final. PORÉM, os títulos de Bahia e Cruzeiro, especialmente desse último, ajudaram a derrubar esse torneio viciado, e garantir ao nosso futebol um firme passo evolutivo: um campeonato onde não haveria favorecimento, ou pelo menos onde este favorecimento seria atenuado em muito. E é por aqueles 6 a 2 no Mineirão e aqueles 3 a 2 no Pacaembu que, hoje, nós temos um futebol com um tantinho menos de empáfia, com uma estrutura em divisões, onde é possível o acesso e o descenso de quaisquer participantes, de qualquer região do Brasil. Sem prejuízo a quem quer que seja.

Diz a lenda que Leônidas segurou os persas nas Termópilas por três dias, e por isso o mundo teve a oportunidade de conhecer a filosofia da Grécia antiga. Da mesma forma, Aníbal derrotou o Império Romano e, por decidir esperar um único dia, não conquistou a cidade (e o Império) em nome de Cartago, e apenas por isso nós sabemos tudo sobre o Império Romano e nada sobre o Império Cartaginês. Similarmente, em cento e oitenta minutos, o Cruzeiro de Tostão e Dirceu Lopes derrotou o Santos de Pelé e Coutinho, ergueu a taça e demonstrou, para que todos vissem, o passo inexorável do futebol brasileiro em direção a um futuro mais integrado.

Portanto, não me diga que a Taça Brasil de 1966 vale o mesmo que um Campeonato Brasileiro desses aí. Ela vale mais. Muito mais. Até mesmo para quem não é cruzeirense.

E.

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