sábado, outubro 10, 2009

Uma passagem do diário do Duque Tadeus Craveus,

Comandante da Cidade-Fortaleza de Craveus, soberano da Fortaleza Negra, defensor do último bastião entre o coração do reino de Lenara e a Orkhath, Tadeus Craveus foi, um dia, um dos condenados a permutar sua pena de morte por dois anos de servitude naquele deserto pedregoso. Daquela época até hoje, passaram-se vinte anos, e o então segundo praça subiu ao topo da hierarquia do exército lenense: ele poderia comandar qualquer exército em qualquer lugar, mas permaneceu ali, diante dos orcs e da impossibilidade de paz.

Temos, abaixo, uma recente anotação de seu diário.

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"… eles perguntam-me, estupefatos, como não me aproveito de seu poder, como me atrevo a mandar pessoas “despreparadas” diretamente à frente de batalha, e ainda por cima para enfrentar orcs. Eles não entendem. Tento explicar: isto é um campo de batalhas, não uma galeria de tiro ao alvo, onde cada um pode realizar a magia que mais lhe apetece, escolher um alvo e não mais se preocupar com o assunto. Guerras não são simples assim.
A grande maioria de meus comandados é de condenados à morte. Virou costume no reino: todos aqueles que foram condenados à morte podem comutar a sentença e, ao invés de balançar por dois tempos em uma forca, devem permanecer por 2 anos na Fortaleza Negra, sob meu comando. E as chances de sobrevivência aqui são tão módicas que muitos ainda escolhem morrer na forca. Execráveis execuções, vidas paridas e espoliadas... e, então, os magicianos abutres adicionam sua fome ao desespero dos que escolhem a alternativa da redenção: oferecem suas preces, suas bênçãos, seus encantamentos e bruxarias, dizendo de tudo: “Craveus é a morte, por uns meros ducados, eu posso evitar que ela se aproxime”, “os campos pedregosos do sul de Lenara são lar de muitos demônios, transfira para mim tuas posses e eu protegerei sua alma do toque gélido dessas aberrações”, “vá com os deuses, cuidarei para que eles sempre o acompanhem, orarei em sua honra, apenas deixe-me como curador de seu patrimônio”. Abutres. Pudessem e roubariam o odor de um mendigo, deixando-o escravo da indiferença alheia e retirando-lhe o mérito.
E, então, ao desembarcar em Praar, qual é a primeira ação? Remover toda e qualquer ação mágica dos encarcerados. Benéfica ou maligna. Ninguém aqui chegou forçado; temos de ter certeza de sua lucidez e clareza de pensamento. E lá vem as lágrimas, a dor do engodo, tão grande, que quase se esquecem de seus crimes. E pensar que essa é a hora de menor tristeza da maioria...
O combate, a guerra, não é fácil. Combater orcs não é para qualquer um, creio mesmo que não é para ninguém. Mas eles estão ali, espremidos entre os caethir e o mar, e assim avançam sobre nossas terras, o que fazer?
Eu os treino e os lidero. A maioria não diferencia um escudo de um alvo, uma lança de uma alabarda. E não reconhecem o valor de seu treinamento, até que entram na primeira batalha. E, quando começam a tomar confiança, comportarem-se segundo a razão e a disciplina, quem reaparece? Os abutres. “Tenho aqui uma espada abençoada e jurada contra orcs”, “vista essa armadura, e seja protegido pelas orações de todas as viúvas cujos amados morreram tragicamente aqui em Craveus”, “Sirva aos Deuses quando em batalha, traga-me os dentes caninos do maior orc que encontrar, e eu lhe retribuirei”. Mascates da morte, tropeiros de tragédias, Caixeiros viajantes das colundrias e vilanias.
E, não menos, vem a mim. Oferecem as bênçãos da divindade do dia, do mês, do rio e sabe mais de onde. Querem ditar (DITAR!) o que acontecerá aos meus comandados, ao meu exército de malditos, às minhas ordens e aos meus passos. Pois, dou-lhes então o elmo, as grevas e o sabaruno para que guiem, claramente, o caminho da vitória naquele dia (ou em qualquer outro), e, logo, desconversam, tergiversam, põem-me como o iluminado a ser guiado, o escolhido que não escolhe, o salvador perdido no deserto.
Não na minha vigília. Morrerão secos, prenhes de suas preces e magias, curarão todas as unhas encravadas e enjôos matinais de toda a Lenara antes de eu os permitir 'aprimorar' minhas tropas.”

- Tadeus Craveus VIII, Duque da Última Província, 15 de Archenon, Ano 955

E.

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